SENTENÇA
Vistos, etc...
ELIANE REGINA MARQUES, qualificada e regularmente representada, ingressou com AÇÃO REVISIONAL de cláusula contratual de plano de saúde, relativa ao reajuste do preço em razão da idade, contra SUL AMÉRICA SEGURO SAÚDE e QUALICORP ADM. E SERV. LTDA., ambas qualificadas, dizendo, em resumo, que firmou um contrato de plano coletivo por adesão, no dia 01/12/2011, e que em razão da mudança de faixa etária, ao completar 59 anos, a parcela de R$ 587,45 passou para R$ 1.360,44, variação de preço que qualificou como abusiva e excessivamente onerosa, acrescentando que o reajuste não tem previsão contratual.
Assim, com base no art. 15, §3º, Estatuto do Idoso, combinado com o art. 51, IV e X, CDC, pediu a concessão de antecipação de tutela para declarar a abusividade da cláusula e a nulidade do reajuste, exclusivamente na mudança de faixa etária, com a sua consequente vedação, e se for admitida alguma variação, que se faça com base nos aumentos anuais autorizados pela ANS, medida provisória a ser confirmada no mérito, com a condenação em custas e honorários.
A petição inicial veio instruída com os documentos de fls. 08/24, seguindo-se do despacho de fls. 25, segundo o qual indeferi a gratuidade, dando ensejo ao petitório de fls. 27/28, que veio acompanhado do recolhimento das custas e, ainda, dos documentos meritórios de fls. 31/33.
Em seguida, mandei citar as rés, cartas cujos avisos de recebimento vieram aos autos em 21/08/2015, conforme documentos de fls. 38/42.
A administradora de benefícios demandada ofereceu a contestação de fls. 43/52, dizendo, em resumo, que o reajuste por mudança de faixa etária tem previsão contratual e é autorizado pela ANS, fixado exatamente para manter o equilíbrio do negócio jurídico, faixas que estão contidas no manual do beneficiário e referenciadas na proposta de adesão, cláusula 17, e cujos parâmetros se alinham ao que fora determinado pela ANS, protestando, então, ao final, pela improcedência da demanda.
A peça de defesa veio acompanhada dos documentos de representação, fls. 53/71, do contrato de adesão, fls. 72/76, da carta de orientação do beneficiário, fls. 77/78, da declaração de saúde, fls. 79/81 e aditivo de redução de carência, fls. 82/83, além dos documentos de identificação da beneficiária e da sua qualificação para aderir ao plano coletivo mencionado, fls. 84/87.
No mesmo sentido dos fundamentos expostos pela administradora de benefícios, a operadora de saúde ré ofereceu a contestação de fls. 91/99, anexando aos autos tão somente os documentos de representação de fls. 101/112.
Em réplica, a parte autora disse às fls. 117/120, ratificando os argumentos de aumento excessivo e desarrazoado e, ainda, a violação do princípio de lealdade e transparência dada a ausência de cláusula explicitando os critérios e as bases do aumento a ensejar o percentual.
O feito ficou suspenso em razão de afetação pelo STJ de demanda repetitiva, conforme despacho de fls. 123, voltando a tramitar após o julgamento pela Superior Instância, razão pela qual, através do despacho de fls. 175, mandei que as partes dissessem se queriam produzir mais provas, vindo aos autos tão somente as rés, através das fls. 177/178 juntar o manual do beneficiário de fls. 179/210, quedando-se inerte a parte autora sobre o desejo de produzir mais provas.
Era o que havia de importante a relatar. Decido.
A relação controvertida é de consumo e se refere a plano de saúde na modalidade coletiva por adesão, firmado após 2/1/1999 e, como tal, submetido prioritariamente ao que dispõe a Lei 9.656/98 e os regulamentos expedidos pela ANS, incidindo também, de maneira subsidiária, a Lei 8.078/90.
A matéria é exclusivamente de direito, dispensando a produção de prova além daquelas documentais acostadas aos autos, isto porque a parte autora lança mão de dois fundamentos para lastrear sua pretensão autoral, bastando o acolhimento de apenas um deles a ensejar a procedência da pretensão autoral.
No caso, a autora invoca o reajuste desarrazoado ou desproporcional em razão da mudança de faixa etária, quando completou 59 anos de idade, incidindo 121,73% na prestação que pagava.
O segundo argumento revisional tem lastro na ausência de previsão contratual dos percentuais de reajuste, com consequente violação dos princípios da lealdade, transparência e boa-fé.
É sobre esse segundo argumento que inicio a solução do litígio, aplicando o ordenamento jurídico a partir do CDC, diploma cujos textos normativo principiológicos e gerais serão preenchidos com as específicas regras da LPS e dos regulamentos expedidos pela ANS.
A transparência e a harmonia são objetivos da Política Nacional das Relações de Consumo, inclusive naquela que se estabelece entre o autor e as rés, tudo nos termos da parte final da cabeça do art. 4º da Lei 8.078/90, dispositivo a seguir transcrito:
Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios.
Estes objetivos, harmonia e transparência, remetem aos princípios que estão estampados no inciso III daquele art. 4º, que, em outros termos, orienta o intérprete a aplicar o direito positivo, harmonizando o dever de proteger o consumidor com o desenvolvimento econômico, preservando o equilíbrio negocial e respeitando a boa-fé e legítimas expectativas de consumidores e fornecedores. Eis o mencionado inciso:
Art. 4º [...] III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores;
Tomemos agora apenas o objetivo da transparência, que se realiza através do princípio da boa-fé, o qual, por seu turno, inspira o direito básico do consumidor de ser informado de maneira clara, adequada, sobre diversos aspectos do produto ou do serviço, inclusive o preço, tema que aqui nos interessa, tudo nos exatos termos do art. 6º, III, a seguir transcrito:
Art. 6º São direitos básicos do consumidor: [...]
III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;
A mesma transparência, a mesma boa-fé e o mesmo direito de informação estão na essência do texto normativo protecionista do CDC, que veda práticas comerciais abusivas ou desleais, direito básico do vulnerável previsto no inciso IV, do art. 6º, e que também se encontra presente no texto normativo geral do art. 46 da mesma lei, este referente à prática contratual, segundo a qual, em termos outros, o consumidor não se vinculará ao pacto negocial se não lhe for dado o conhecimento sobre seus direitos e suas obrigações, ou se esses instrumentos negociais estiverem escritos de maneira a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance.
Eis os textos normativos mencionados:
Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
IV - a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços;
Art. 46. Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance.
Em resumo, o vulnerável consumidor deve sempre ser previamente informado, com clareza, e de maneira adequada, desde o momento que antecede a contratação (fase comercial), até a efetiva formação do negócio (contratação), passando pelo diálogo entabulatório dos direitos e obrigações (fase pré-contratual).
Estes aspectos subsidiaram o legislador quando da produção do texto legislativo que normatizou o sistema de assistência suplementar à saúde, assim como inspirou e inspira o agente regulador na edição dos textos infralegais.
Ingressando no ambiente da Lei 9.656/98, os seus artigos 15 e 16, IV, estabelecem a possibilidade de a operadora reajustar a contraprestação dos planos de saúde em razão da mudança de faixa etária, desde que os aludidos parâmetros etários, com os seus respectivos percentuais, estejam contidos no instrumento contratual, sem o que a operadora não poderá reajustar o preço pelo mencionado critério, posto que violador das citadas regras da Lei de Plano de Saúde e daquelas referentes ao CDC antes mencionadas. Eis os dispositivos:
Art. 15. A variação das contraprestações pecuniárias estabelecidas nos contratos de produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei, em razão da idade do consumidor, somente poderá ocorrer caso estejam previstas no contrato inicial as faixas etárias e os percentuais de reajustes incidentes em cada uma delas, conforme normas expedidas pela ANS, ressalvado o disposto no art. 35-E.
Art. 16. Dos contratos, regulamentos ou condições gerais dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei devem constar dispositivos que indiquem com clareza: [...]
IV - as faixas etárias e os percentuais a que alude o caput do art. 15;
A cabeça do artigo 15 atribui poder ao agente regulador para cuidar da fixação dos parâmetros atuários objetivando equalizar os interesses econômicos do beneficiário de pagar o menor preço possível e preservar o lucro da operadora, estabelecendo, em última análise, um equilíbrio negocial.
Neste sentido, a Agência Nacional de Saúde Suplementar editou a RN 63 para regular o reajuste em razão da idade daqueles contratos firmados após a vigência do Estatuto do Idoso, substituindo a Resolução CONSU 6, incidente naqueles contratos anteriores à mencionada lei de proteção da pessoa com 60 anos ou mais.
A edição da RN 63 justificou-se porque num dado momento o Judiciário e o agente regulador interpretaram que o §3º do art. 15 do Estatuto do Idoso, em qualquer hipótese, impedia o reajuste da pessoa com mais de 60 anos pelo critério da idade, enquanto que o § único do art. 15 da Lei 9.656/98 só impedia o reajuste se a pessoa idosa que tivesse mais de 10 (dez) anos de convivência contratual com a operadora.
Assim, foi necessária a revisão da norma regulamentar que outrora previa 7 (sete) faixas etárias, CONSU 6, passando a estabelecer 10 (dez) faixas etárias (RN 63), exatamente para que os mais jovens pudessem absorver o custo da impossibilidade de variação do preço em razão da idade da pessoa com mais de 60 anos, independentemente do tempo de convivência contratual.
Seja como for, em qualquer hipótese, o beneficiário do plano individual ou coletivo, este por adesão ou empresarial, precisa ter o conhecimento prévio das faixas etárias e dos respectivos percentuais para que possa tomar a decisão consciente de aderir ou não ao plano de saúde que pretende contratar, não se prestando para tal fim a simples informação de que a contraprestação pode ser reajustada em razão da variação de faixa etária.
No caso dos autos, o instrumento de adesão ao plano coletivo, fls. 75, subscrito pela parte autora, indica na cláusula 17 que [...] o valor mensal do benefício poderá sofrer reajustes legais e contratuais, de forma cumulativa (parcial ou total), ou isolada, nas seguintes situações: [...] (iii) por mudança de faixa etária [...], sem, no entanto, indicar quais são as faixas etárias e os respectivos percentuais de variação entre elas.
A toda evidência, a prática comercial da administradora de benefícios e a prática contratual da operadora ré não se alinham com os objetivos, princípios e direitos antes referidos, pois o beneficiário adere ao negócio sem ter a informação clara, necessária, adequada e precisa sobre o preço e, especialmente, o critério de reajuste.
Note-se que às fls. 76, no final da proposta de adesão ao contrato, o beneficiário declara que “após ter lido os termos e estar totalmente de acordo com as condições prévias para a aceitação da Proposta, é de livre e espontânea vontade que manifesto a intenção de fazer minha adesão, e a do(s) meu(s) dependente(s) indicado(s) na página 1 desta Proposta, ao benefício”.
Declara, ainda, “receber, neste ato, o “Manual de Orientação para Contratação de Planos de Saúde” e cópia da presente “Proposta”, da “Carta de Orientação ao Beneficiário“ e da “Declaração de Saúde”, e estou ciente de que os cartões de identificação do(s) beneficiário(s) e a lista de prestadores credenciados, de responsabilidade da operadora, bem como o “Guia de Leitura Contratual” e o Manual do Beneficiário, que reproduz condições contratuais da apólice coletiva, traz esclarecimentos sobre os aspectos contratuais relativos à utilização e manutenção do benefício e os direitos e obrigações dos beneficiários, serão enviados a mim tão logo eu e meu(s) e dependente(s) tenhamos sido aceitos e nossos registros estejam regularizados na Operadora”.
Impõe-se chamar a atenção, para o que interessa aos autos, a referência a dois manuais, um denominado “Manual de Orientação Para a Contratação de Plano de Saúde”, o MPS, e o “Manual do Beneficiário”, que reproduz as condições contratuais da apólice coletiva, o primeiro entregue quando da assinatura da proposta de adesão e o segundo enviado para o beneficiário quando já consolidada a formação do negócio jurídico, tudo nos exatos termos do que consta do contrato de adesão às fls. 76.
A mencionada prática comercial e contratual foi regulada pela Agência Nacional de Saúde Suplementar através da RN 195, cujo art. 24 institui o Manual de Orientação para Contratação de Planos de Saúde - MPS e o Guia de Leitura Contratual – GLC como parte dos procedimentos para contratação ou ingresso aos planos individuais ou coletivos, inclusive na modalidade de Administradora de Benefícios, documentos que deverão ser entregues ao beneficiário.
Eis os textos:
Art. 24 Como parte dos procedimentos para contratação ou ingresso aos planos individuais ou coletivos, as operadoras, inclusive classificadas na modalidade de Administradora de Benefícios, deverão entregar ao beneficiário o Manual de Orientação para Contratação de Planos de Saúde - MPS e o Guia de Leitura Contratual – GLC. (Redação dada pela RN nº 204, de 2009)
Parágrafo único. O MPS e o GLC serão objeto de regulamentação específica da Diretoria de Normas e Habilitação dos Produtos – DIPRO [3] e conterão, no mínimo:
I – prazos de carência;
II - vigência contratual;
III – critérios de reajuste;
IV – segmentação assistencial; e
V – abrangência geográfica.
Art. 25 Os formulários utilizados pelas operadoras, pelas pessoas jurídicas contratantes ou pela Administradora de Benefícios para proposta de contratação ou adesão aos planos comercializados ou disponibilizados devem conter referência expressa à entrega desses documentos, com data e clara identificação das partes e eventuais representantes constituídos.
Ainda no ambiente regulatório, a agência editou a Instrução Normativa 20, que dispõe sobre os instrumentos de orientação aos beneficiários previstos no artigo 24 da Resolução Normativa - RN nº 195, e cujo artigo 4º estabelece o momento para a entrega do Manual de Orientação para Contratação de Plano de Saúde – MPS, no caso dos coletivos, mais especificamente no inciso II:
Art. 4º O MPS deverá ser entregue anteriormente à assinatura da proposta de contratação, segundo o tipo de contratação: [...]
II - nos planos coletivos: ao representante da pessoa jurídica contratante ou Administradora de Benefícios e aos beneficiários titulares até a assinatura da sua proposta de ingresso no plano.
A beneficiária autora da demanda declarou ter recebido o aludido manual antes da contratação e nele, ou em outro documento, era fundamental que estivesse explicitada a possibilidade de reajuste em razão da idade, com as faixas etárias e respectivos percentuais, entretanto, as demandadas não trouxeram tal documento.
Ainda que se considere que o modelo de manual para contratação de plano de saúde instituído pela ANS e constante do anexo da instrução normativa 20 tivesse sido entregue pela operadora, tal documento é apenas uma parte do processo de contratação, o que significa dizer que aquelas informações não são exaustivas e a operadora podia e deveria entregar documento contendo as faixas etárias e os respectivos percentuais de reajuste antes e durante o processo de contratação.
Observe que o art. 2º da Instrução Normativa 20 anuncia a existência do modelo de Manual de Orientação para contratação de Plano de Saúde – MPS, constante do anexo I, a ser seguido em sua íntegra pelas operadoras.
Eis o texto normativo:
Art. 2º Os Anexos I e II desta Instrução Normativa apresentam os modelos do MPS e do GLC a serem seguidos em sua íntegra pelas operadoras de planos privados de assistência à saúde, incluindo a fonte e o tamanho da letra a ser utilizado (Times New Roman, 12, espaçamento simples).
Acontece que no mencionado modelo constante do anexo referido há apenas a informação quanto à possibilidade de reajuste em razão da idade e a referência à RN 63, que contempla as faixas etárias, informação que se revela insuficiente para que o beneficiário tome a decisão de aderir ou não ao coletivo plano de saúde, o que impunha à operadora o dever de prestar esta informação através de outro documento para cumprir o que determina os artigos 15 e 16 da Lei de Plano de Saúde.
É neste momento da contratação do plano coletivo por adesão que o consumidor precisa ter o conhecimento das faixas etárias estabelecidas pela Resolução Normativa e os respectivos percentuais de reajuste pelo critério etário, estes definidos pela operadora, diante da liberdade que tem de precificar os seus produtos e serviços, não suprindo a exigência legal a informação posterior à contratação que é dada através do Manual de Benefício de Saúde do qual o contratante já faz parte, como se infere dos documentos de fls. 179/210, mais especificamente na cláusula 14, contida às fls. 208.
A informação deve ser prévia e, no caso, não o foi.
A proposta de adesão carrega a marca das duas rés, fls. 72/83, assim como o Manual do Beneficiário, fls. 179/210, o que demonstra que o ilícito na prática comercial e contratual fora cometido por ambas, não podendo dele se beneficiarem, motivo pelo qual, independentemente da existência de dano para o consumidor, as consequências da conduta contrária ao direito precisam ser inibidas, nos termos do art. 497, e seu parágrafo único, CPC, providência que aqui adoto de maneira antecipatória, salientando que, como sustentado pela parte autora, as faixas etárias e os seus respectivos percentuais não tinham a previsão contratual quando da adesão, deixando ao arbítrio exclusivo da parte a fixação posterior dos aludidos percentis, razão pela qual procede o pedido autoral por tal fundamento.
A exorbitância do ilegal percentual que fora arbitrado pressupõe prova pericial, que se revela desnecessária diante da precedente ilegalidade informativa antes mencionada.
Assim, sendo certo que a operadora tem o direito de reajustar o preço em razão da idade, deverá fazê-lo por ocasião da liquidação, tendo em vista que os 131,73% não podem ser aplicados diante da omissão informativa no processo de contratação, como antes mencionado.
Saliento que a fixação judicial de um percentual em razão da mudança de faixa etária é medida que se impõe de ofício por força do que dispõe o art. 51, §2º, CDC, o que será feito, como dito, em fase de liquidação.
Convém anotar, por fim, que a decisão aqui tomada se alinha perfeitamente com a decisão tomada pelo STJ, em caráter repetitivo, exatamente sobre o tema objeto desta demanda (reajuste por faixa etária de beneficiário com 59 anos de idade) cuja ementa transcrevo, com os nossos destaques:
RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. CIVIL. PLANO DE SAÚDE. MODALIDADE INDIVIDUAL OU FAMILIAR. CLÁUSULA DE REAJUSTE DE MENSALIDADE POR MUDANÇA DE FAIXA ETÁRIA. LEGALIDADE. ÚLTIMO GRUPO DE RISCO. PERCENTUAL DE REAJUSTE. DEFINIÇÃO DE PARÂMETROS. ABUSIVIDADE. NÃO CARACTERIZAÇÃO. EQUILÍBRIO FINANCEIRO-ATUARIAL DO CONTRATO.
A variação das contraprestações pecuniárias dos planos privados de assistência à saúde em razão da idade do usuário deverá estar prevista no contrato, de forma clara, bem como todos os grupos etários e os percentuais de reajuste correspondentes, sob pena de não ser aplicada (arts. 15, caput, e 16, IV, da Lei nº 9.656/1998).
A cláusula de aumento de mensalidade de plano de saúde conforme a mudança de faixa etária do beneficiário encontra fundamento no mutualismo (regime de repartição simples) e na solidariedade intergeracional, além de ser regra atuarial e asseguradora de riscos.
Os gastos de tratamento médico-hospitalar de pessoas idosas são geralmente mais altos do que os de pessoas mais jovens, isto é, o risco assistencial varia consideravelmente em função da idade. Com vistas a obter maior equilíbrio financeiro ao plano de saúde, foram estabelecidos preços fracionados em grupos etários a fim de que tanto os jovens quanto os de idade mais avançada paguem um valor compatível com os seus perfis de utilização dos serviços de atenção à saúde.
Para que as contraprestações financeiras dos idosos não ficassem extremamente dispendiosas, o ordenamento jurídico pátrio acolheu o princípio da solidariedade intergeracional, a forçar que os de mais tenra idade suportassem parte dos custos gerados pelos mais velhos, originando, assim, subsídios cruzados (mecanismo do community rating modificado).
As mensalidades dos mais jovens, apesar de proporcionalmente mais caras, não podem ser majoradas demasiadamente, sob pena de o negócio perder a atratividade para eles, o que colocaria em colapso todo o sistema de saúde suplementar em virtude do fenômeno da seleção adversa (ou antisseleção).
A norma do art. 15, § 3º, da Lei nº 10.741/2003, que veda "a discriminação do idoso nos planos de saúde pela cobrança de valores diferenciados em razão da idade", apenas inibe o reajuste que consubstanciar discriminação desproporcional ao idoso, ou seja, aquele sem pertinência alguma com o incremento do risco assistencial acobertado pelo contrato.
Para evitar abusividades (Súmula nº 469/STJ) nos reajustes das contraprestações pecuniárias dos planos de saúde, alguns parâmetros devem ser observados, tais como
(i) a expressa previsão contratual;
(ii) não serem aplicados índices de reajuste desarrazoados ou aleatórios, que onerem em demasia o consumidor, em manifesto confronto com a equidade e as cláusulas gerais da boa-fé objetiva e da especial proteção ao idoso, dado que aumentos excessivamente elevados, sobretudo para esta última categoria, poderão, de forma discriminatória, impossibilitar a sua permanência no plano; e
(iii) respeito às normas expedidas pelos órgãos governamentais:
a) No tocante aos contratos antigos e não adaptados, isto é, aos seguros e planos de saúde firmados antes da entrada em vigor da Lei nº 9.656/1998, deve-se seguir o que consta no contrato, respeitadas, quanto à abusividade dos percentuais de aumento, as normas da legislação consumerista e, quanto à validade formal da cláusula, as diretrizes da Súmula Normativa nº 3/2001 da ANS.
b) Em se tratando de contrato (novo) firmado ou adaptado entre 2/1/1999 e 31/12/2003, deverão ser cumpridas as regras constantes na Resolução CONSU nº 6/1998, a qual determina a observância de 7 (sete) faixas etárias e do limite de variação entre a primeira e a última (o reajuste dos maiores de 70 anos não poderá ser superior a 6 (seis) vezes o previsto para os usuários entre 0 e 17 anos), não podendo também a variação de valor na contraprestação atingir o usuário idoso vinculado ao plano ou seguro saúde há mais de 10 (dez) anos.
c) Para os contratos (novos) firmados a partir de 1º/1/2004, incidem as regras da RN nº 63/2003 da ANS, que prescreve a observância (i) de 10 (dez) faixas etárias, a última aos 59 anos; (ii) do valor fixado para a última faixa etária não poder ser superior a 6 (seis) vezes o previsto para a primeira; e (iii) da variação acumulada entre a sétima e décima faixas não poder ser superior à variação cumulada entre a primeira e sétima faixas.
A abusividade dos aumentos das mensalidades de plano de saúde por inserção do usuário em nova faixa de risco, sobretudo de participantes idosos, deverá ser aferida em cada caso concreto. Tal reajuste será adequado e razoável sempre que o percentual de majoração for justificado atuarialmente, a permitir a continuidade contratual tanto de jovens quanto de idosos, bem como a sobrevivência do próprio fundo mútuo e da operadora, que visa comumente o lucro, o qual não pode ser predatório, haja vista a natureza da atividade econômica explorada: serviço público impróprio ou atividade privada regulamentada, complementar, no caso, ao Serviço Único de Saúde (SUS), de responsabilidade do Estado.
Se for reconhecida a abusividade do aumento praticado pela operadora de plano de saúde em virtude da alteração de faixa etária do usuário, para não haver desequilíbrio contratual, faz-se necessária, nos termos do art. 51, § 2º, do CDC, a apuração de percentual adequado e razoável de majoração da mensalidade em virtude da inserção do consumidor na nova faixa de risco, o que deverá ser feito por meio de cálculos atuariais na fase de cumprimento de sentença.
TESE para os fins do art. 1.040 do CPC/2015: O reajuste de mensalidade de plano de saúde individual ou familiar fundado na mudança de faixa etária do beneficiário é válido desde que (i) haja previsão contratual, (ii) sejam observadas as normas expedidas pelos órgãos governamentais reguladores e (iii) não sejam aplicados percentuais desarrazoados ou aleatórios que, concretamente e sem base atuarial idônea, onerem excessivamente o consumidor ou discriminem o idoso.
CASO CONCRETO: Não restou configurada nenhuma política de preços desmedidos ou tentativa de formação, pela operadora, de "cláusula de barreira" com o intuito de afastar a usuária quase idosa da relação contratual ou do plano de saúde por impossibilidade financeira. Longe disso, não ficou patente a onerosidade excessiva ou discriminatória, sendo, portanto, idôneos o percentual de reajuste e o aumento da mensalidade fundados na mudança de faixa etária da autora.
Recurso especial não provido.
(REsp 1568244/RJ, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 14/12/2016, DJe 19/12/2016)
Em razão do exposto, JULGO PROCEDENTE a pretensão autoral, quanto à impossibilidade do reajuste em razão da idade da faixa relativa aos 59 anos, pelo fato de não ter constado o percentual explicitamente da proposta de adesão, não se prestando para tanto a informação que veio a ser posteriormente prestada, motivo pelo qual ora defiro a antecipação de tutela, no sentido de impedir a cobrança com o aludido percentual, o que faço com base nos artigos mencionados, deixando de integrar judicialmente o negócio jurídico, porque necessária a produção de prova pericial, a ser feita na fase de liquidação, inclusive provisoriamente, a ser manejada pelas operadoras demandadas com o objetivo de estabelecer um percentual que, a um só tempo, permita a continuidade contratual tanto de jovens quanto de idosos, bem como a sobrevivência do próprio fundo mútuo e da operadora, nos termos do Repetitivo antes transcrito, pondo fim ao feito, com o exame do mérito.
Condeno as demandadas no pagamento das custas e honorários, que arbitro em 20% (vinte por cento) sobre o valor da causa atualizado pela tabela do ENCOGE.
P.R.I. e, após o trânsito em julgado, arquivem-se.