No caso, o plano negou cobertura aos procedimentos por ausência de cobertura contratual e em razão de o Plano não estar submetido à Lei de Plano de Saúde

19/09/2019

Sentença de Plano de Saúde - Antigo e Autogestão - Quimioterapia Oral

SENTENÇA

Vistos, etc...

MARIA* ingressou com AÇÃO DE OBRIGAÇÃO COM FAZER contra a OPERADORA DE PLANO DE SAÚDE*, pretendendo a cobertura de radioterapia por intensidade modulada, tratamento indicado por seu médico assistente e cuja cobertura fora negada pela operadora ré.

A peça vestibular veio acompanhada dos documentos de fls. 28/114, inclusive com o pagamento das custas, fls. 115.

Conclusos os autos, o então presidente do feito deferiu a liminar para antecipar os efeitos da tutela e mandar que a operadora realizasse o tratamento pedido, expedindo-se, para tanto, a missiva intimatória e citatória, com o consequente oferecimento da resposta contestatória de fls. 121/139, que veio acompanhada dos documentos de fls. 140/160.

Na peça de bloqueio, diz a ré que opera o plano de saúde na modalidade de autogestão, salientando que a recusa da cobertura tem amparo no art. 10, IX, da Lei de Plano de Saúde, pois o tratamento não consta do rol de cobertura obrigatória, invocando, ainda, a regulação técnica segundo a qual o tipo de tratamento só está previsto para os casos de câncer do sistema nervoso central ou cabeça e pescoço, pugnando pela improcedência do pedido. 

Sobre a contestação ofertada, a parte autora disse em réplica, fls. 166/176, peça que veio acompanhada dos documentos de fls. 177/339.

Designada a audiência de que trata o art. 331 do revogado Código de Processo Civil, assentei naquela oportunidade o feito comportava julgamento no estado em que se encontrava e a parte ré juntou nova resposta contestatória, fls. 360/381, acompanhada dos documentos de fls. 382/416.

Em seguida, o patrono da demandante comunicou o óbito da sua cliente, fls. 418, petição que veio instruída com a certidão de óbito de fls. 419, razão pela qual suspendi o feito para a habilitação do espólio, havida através da petição de fls. 423, que veio acompanhada do documento de fls. 424, intimando-se, então, os litigantes para se manifestarem sobre o desejo de produzir mais provas, dizendo a parte demandante não pretender e a ré, quedando-se inerte.

É o que havia de importante a relatar. Decido.

O feito comporta julgamento no estado em que se encontra porque a matéria não necessita de dilação probatória, sendo certo que a autora aderiu ao plano de saúde operado pela autogestora demandada no dia 16/04/2005, conforme documento de fls. 30, impondo-se apenas saber se a demandada está obrigada a cobrir o tratamento da radioterapia por intensidade modulada, incontroversamente negada sob a alegação de não constar do rol de procedimentos editado pela ANS.

A parte autora sustentou na peça vestibular que o regulamento da operadora demandada prevê a cobertura do tratamento pedido, louvando-se do art. 26, §4º, III.

De fato, como sustentado na peça vestibular, o regulamento do plano de saúde estabelece que não haverá cobrança de coparticipação do beneficiário na hipótese de a despesa tratar de radioterapia.

O art. 10 do regulamento remete o beneficiário para uma tabela geral de auxílios, não existindo regra regulamentar que claramente estabeleça a cobertura assistencial como sendo aquela editada pela ANS.

Assim, existindo no regulamento dispositivo que autoriza afirmar haver cobertura das despesas com radioterapia sem coparticipação do beneficiário, e não havendo no texto regra que restrinja a cobertura assistencial ao regulamento da ANS, impõe-se reconhecer a presença de dúvida sobre os limites assistenciais, devendo a interpretação utilizada ser aquela que mais favorece aquele que adere ao contrato.

No caso, a boa-fé objetivamente considerada autoriza afirmar que o beneficiário tem a confiança de obter o tratamento radioterápico de toda e qualquer espécie, inclusive aquela espécie denominada “radioterapia de intensidade modulada”.

Não é demais argumentar, em favor da pretensão autoral, o fato de a divisão de regulação técnica ter aprovado, em 30/12/2011, os critérios de autorização e pagamento das despesas relacionadas à radioterapia, inclusive a de intensidade modulada, o que significa dizer que tal espécie de procedimento faz parte da tabela geral de auxílios (TGA), sendo certo que o documento técnico restringe a utilização da terapia para tumores do sistema do nervoso central ou cabeça e pescoço, limitação indevida quando o médico assistente entende ser aquele método o mais adequado para outra hipóteses, porque dele é o risco do sucesso ou insucesso do caminho a ser perseguido para a cura do enfermo.

O Código Civil estabelece, no art. 422, que os contratantes devem observar conduta ética de lealdade e boa-fé na formação e na execução do contrato; no caso, os regulamentos do plano de saúde, como dito, não evidenciam, de maneira expressa, a cobertura assistencial dentro dos limites mínimos estabelecidos pela ANS e o texto negocial associado ao parecer técnico de regulação autoriza reconhecer a cobertura para o tratamento pedido.

O artigo 423, do Código Civil, por sua vez, dispõe que quando houver no contrato de adesão cláusulas que gerem dúvida quanto à sua interpretação, será adotada a mais favorável ao aderente; reconhecida, portanto, a existência de dúvida no contrato firmado entre as partes, conforme alhures referido, reputo devida a cobertura do procedimento indicado a inicial, justamente por ser a interpretação que mais favorece ao beneficiário que aderiu ao contrato de prestação de serviço suplementar à saúde.

Pelo exposto, com base nos artigos referidos, aos quais acresço os artigos 85 e 487, I, CPC, JULGO PROCEDENTE a pretensão autoral para, confirmando-se a tutela antecipada deferida, condenar a ré a cobrir o tratamento descrito na inicial. Condeno a demandada, ainda, no pagamento de honorários de sucumbência, que ora fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa e na devolução do valor das custas atualizadas desde a data do desembolso, ambos pela tabela do ENCOGE.

P.R.I. e, após o trânsito em julgado, arquivem-se.    

Luiz Mário Moutinho

Graduado em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco (1990). Atualmente é Juiz de Direito da 1ª Vara Cível da Capital - Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco. Coordenador científico do Instituto Luiz Mário Moutinho. Professor de Direito de Consumidor da Escola Judicial do Estado de Pernambuco. Foi membro do Comitê Executivo do Fórum Nacional de Saúde do CNJ. Foi Diretor da Caixa de Assistência dos Magistrados de Pernambuco. Foi Vice-Presidente da Associação dos Magistrados de Pernambuco. Foi Coordenador Acadêmico da Escola Judicial de Pernambuco – ESMAPE. Foi membro do conselho editoral da Revista Jurídica da ESMAPE. Foi Diretor Regional da Brasilcon. Foi Coordenador dos Juizados Especiais do Juizado de Pernambuco. Foi membro do I Colégio Recursal do Recife. Foi Membro da Comissão do TJPE para a Elaboração de Proposta de Anteprojeto do Código de Organização Judiciária do Estado de Pernambuco. Foi membro da Comissão da Associação dos Magistrados do Brasil – AMB para Elaboração de Proposta de Anteprojeto do Estatuto da Magistratura.

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