Cuida-se de pedido declaratório de nulidade absoluta de cláusula de contrato de seguro saúde que estabelece reajuste em razão da mudança de faixa etária, sob o fundamento de que não fora informado previamente a respeito de tal variação.
No caso em julgamento, o negócio jurídico foi firmado antes da vigência da Lei de Plano de Saúde e a ela não fora adaptado, encontrando-se sob a regência exclusiva do Código de Defesa do Consumidor, posto que formado o contrato na vigência deste diploma protecionista.
De plano, indefiro a pretensão da ré de obter a solução meritória indireta com a declaração da prescrição, pois a causa de fundo da pretensão autoral, declaração de nulidade de cláusula contratual, não é atingida pela prescrição vintenária ou trienal, porque, a todo instante de existência da alegada inválida cláusula contratual, existe violação do direito autoral, que estabelece o termo inicial da contagem do prazo alegado.
Em verdade, a pretensão que é atingida, em tese, pelo efeito do tempo corresponde às repercussões econômicas da declaração de invalidade pedida, a depender do momento da celebração do negócio.
No caso, o contrato foi firmado em 29/05/1991, portanto, submetido às regras da Lei 3.071/16, que instituiu o hoje revogado Código Civil, estando submetido àquelas regras prescricionais, ou seja, 20 (vinte) anos.
O prazo prescricional seria o da Lei 10.406/02 se ao tempo da sua entrada em vigor, houvesse transcorrido mais da metade daquele prazo vintenário e redução do prazo pelo novel, nos termos do art. 2.028, do CC/02, o que não ocorreu no caso concreto.
Art. 2.028. Serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada.
Neste sentido, decidiu o STJ, conforme julgado trazido aos autos pela própria parte ré, REsp Nº 1.360.969 – RS, id. 21988856, cuja tese firmada é a que segue:
Na vigência dos contratos de plano ou de seguro de assistência à saúde, a pretensão condenatória decorrente da declaração de nulidade de cláusula de reajuste nele prevista prescreve em 20 anos (art. 177 do CC/1916) ou em 3 anos (art. 206, § 3º, IV, do CC/2002), observada a regra de transição do art. 2.028 do CC/2002.
Passo a fixar o ponto controvertido da demanda e distribuir o ônus da prova, estabelecendo que aquele reside na análise da validade da cláusula contratual que estabelece o reajuste em razão da mudança de faixa etária e na repercussão econômica de eventual declaração de nulidade absoluta perseguida pelo autor com a devolução daquilo que fora pago em excesso.
Na antecipação de tutela, já apontei a probabilidade do direito autoral, louvando-me dos argumentos expostos numa Ação Civil Pública que antecipou a tutela contra a operadora aqui demandada, para afastar o mesmo reajuste ora impugnado, decisão que ainda se encontra pendente de análise na Corte estadual.
Os efeitos da ação coletiva em favor da parte autora pressupõem o trânsito em julgado da decisão coletiva, o provimento favorável ao consumidor e, enquanto tramitar a ACP, o consumidor que demanda individualmente deve pedir a suspensão do julgamento do seu processo individual para aguardar o benefício definitivo da ação coletiva, pleito não deduzido nestes autos, o que significa dizer que o autor deseja assumir os riscos da sua empreitada judicial individual.
Faço este preâmbulo inicial para indicar que a probabilidade do direito que agora reexamino lastreia-se nas provas produzidas nestes autos e, no caso, a cláusula contratual 15.2, que prevê o reajuste em razão da idade, não contempla os percentuais de variação de preço entre cada uma delas, tampouco há nos autos a prova de que tais percentuais constassem da tabela de preços e, ainda, que aludida tabela houvesse sido entregue ao autor antes da comercialização.
Sem estes elementos informativos prévios à formação do contrato e, ainda, posteriores a ela, relativos à variação do preço em razão da idade, a fornecedora ré não cumpre com a transparência indicada na cabeça do art. 4º, do CDC, tampouco observa a sua obrigação de informar de maneira clara e adequada sobre o preço pelo serviço prestado, nos termos do art. 6º, III.
A ré, por via de consequência, perde o direito de exigir do consumidor a variação do preço pelo aludido critério, porque não lhe apresentou previamente os percentuais de reajuste, conforme determinado pelo art. 46 da Lei 8.078/90, não se prestando para tanto o simples arquivamento junto à SUSEP
CDC
Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:
Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;
Art. 46. Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance.
Em assim sendo, e simplesmente por tais fatos, a prática comercial é abusiva e a cláusula contratual 15.2 é nula de pleno direito, tendo em vista a contrariedade ao princípio da boa-fé, incidindo no caso, os artigos 6º, IV e 51, IV, CDC, vício que decorre da ausência dos percentuais de variação do preço entre cada uma das faixas etárias.
CDC
Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
IV - a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços;
Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;
Note-se que a falta de informação prévia sobre a variação do preço entre as diversas faixas etárias retira do consumidor o poder de fiscalizar e exercer o direito impugnatório se o reajuste aplicado efetivamente não corresponder àquele que supostamente está arquivado na SUSEP, o que conduz à conclusão da possibilidade indireta de variação unilateral do preço por parte da operadora ré, contrariando, assim, aquilo que está posto no inciso X do art. 51, CDC.
CDC
Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
X - permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação do preço de maneira unilateral;
Esta prática odiosa de inadequação informativa quanto à variação dos preços de plano de saúde na fase de comercialização, contratação e execução do contrato já fora combatida pelo Poder Judiciário em decisões pretéritas à Lei de Plano de Saúde, que incorporou no seu texto o entendimento judicial imposto, estabelecendo para os contratos firmados a partir de janeiro de 1999 a obrigação de constar do contrato as faixas etárias e os respectivos percentuais de variação.
Lei de Plano de Saúde
Art. 15. A variação das contraprestações pecuniárias estabelecidas nos contratos de produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei, em razão da idade do consumidor, somente poderá ocorrer caso estejam previstas no contrato inicial as faixas etárias e os percentuais de reajustes incidentes em cada uma delas, conforme normas expedidas pela ANS, ressalvado o disposto no art. 35-E.
A toda evidência, a probabilidade de nulidade contratual cria no instrumento uma lacuna que conduz à impossibilidade de a ré estabelecer reajustes em razão da idade, sendo certo que o aludido critério de variação do preço cobrado pela operadora é mecanismo indispensável à manutenção do equilíbrio econômico do contrato.
Sem o aludido critério de reajuste, e o consequente desequilíbrio econômico do contrato, impõe-se a integração da lacuna contratual, na medida em que não é dado a ninguém, no caso o autor, levar outrem à ruína, tudo conforme expressamente estabelecido no §2º, do art. 51 do CDC, que assim dispõe:
Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
2° A nulidade de uma cláusula contratual abusiva não invalida o contrato, exceto quando de sua ausência, apesar dos esforços de integração, decorrer ônus excessivo a qualquer das partes.
Convém anotar para compreensão adequada do parágrafo antes citado que, na sua essência, habita o princípio da preservação dos negócios jurídicos, corolário da boa-fé, atrelado diretamente à segurança jurídica indispensável à circulação das riquezas, tanto é assim que o rompimento do vínculo negocial só ocorre se houver excessiva onerosidade para qualquer das partes. Repito: qualquer das partes, inclusive o fornecedor, não obstante o Código se destinar à proteção do consumidor.
O equilíbrio é outro princípio fundamental que habita a essência do texto normativo do §2º, do art. 51, com maior relevo quando colocado frente a frente aos princípios da boa-fé e consequente preservação do negócio jurídico, pois haverá o rompimento do negócio se excessiva onerosidade persistir, não obstante o esforço integrativo do Estado-juiz.
A citada regra do §2º, do art. 51, CDC, tem fundamento principiológico no inciso III do art. 4º, daquele diploma legal, que, em outros termos, estabelece a necessidade de proteger o consumidor sem, contudo, impedir o desenvolvimento econômico, sempre com base na boa-fé e no equilíbrio, o que significa dizer que o direito não atribui a ninguém o subjetivo poder de levar o outro à ruína.
Em resumo, a segurança jurídica que impõe a preservação do negócio jurídico em atenção às expectativas dos contratantes (boa-fé) sucumbe ao desequilíbrio contratual excessivo, expressão de justiça negocial.
CDC
Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:
III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores;
Examinando a boa-fé na perspectiva do autor no que se refere especificamente ao reajuste das prestações por ele paga em razão da variação da faixa etária, não se pode dizer que um homem médio comum tem a legítima expectativa de não sofrer qualquer tipo de reajuste em razão da idade, porque a ocorrência de tal variação é o que de ordinário se observa no comércio da assistência suplementar à saúde.
Digo isto para materializar, no caso concreto, aquilo que está posto na regra de hermenêutica negocial constante do artigo 113 do CC/02, segundo o qual, os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração.
Assim, se, por um lado, a operadora não se alinhou com a boa-fé diante da conduta desleal em face das omissões informativas dos percentuais de variação do preço entre as faixas etárias, por outro prisma, também não se pode dizer que o vulnerável consumidor autor tem a legítima expectativa de não sofrer qualquer reajuste em razão da idade quando, sabidamente, segundo as regras de experiência (art. 375, CPC), quanto maior a idade, maiores os custos e o correspondente preço a ser pago.
Art. 375. O juiz aplicará as regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece e, ainda, as regras de experiência técnica, ressalvado, quanto a estas, o exame pericial.
Assim, impõe-se a produção de uma prova técnica, especificamente quanto ao percentual a ser aplicado em substituição àquele que foi utilizado pela operadora sem a prévia e adequada informação do consumidor, salientando que as partes não pedem o rompimento do vínculo negocial, muito pelo contrário, pugnam pela sua continuidade, o autor requerendo a adoção do percentual fixado na ação civil pública e a ré a produção de uma prova pericial atuária, o que conduz necessariamente à necessidade de integração judicial.
A parte autora, a título de integração do contrato, pugnou pela adoção do percentual estabelecido na ação civil pública já mencionada, pretensão que não é de acolhimento possível pelas seguintes razões: (1) a ação coletiva ainda não transitou em julgado; e (2) se trânsito em julgado houvesse, a presente ação individual deveria ser suspensa para se beneficiar dos efeitos da ação coletiva, conforme já relatado alhures, e nos termos dos artigos 103 e 104 do CDC.
Ainda que não exista pedido expresso por qualquer das partes, a integração judicial pode e deve ser deferida de ofício, com a consequente produção da prova técnica que ora defiro, consubstanciada na perícia atuária, dada a natureza pública de todas as regras do Código de Defesa do Consumidor e da sua relevância social.
No que diz respeito à relevância social, importa anotar, ainda, que a manutenção do contrato com eventual desequilíbrio econômico decorrente da não integração judicial, importará no repasse do déficit da relação negocial em exame para a toda a coletividade de consumidores da empresa ré.
Destarte, a percepção do direito subjetivo individual dos autores não pode ser descontextualizada, sob pena de frustrar os fins sociais do contrato, razão pela qual, como dito, a integração pode e deve ser determinada de ofício.
Do ponto de vista processual, a integração ex officio e a produção da prova técnica indispensável tem lastro no art. 6º da Lei 13.105/15, que, em termos outros, impõe ao Estado-juiz o dever de cooperar no sentido de buscar uma solução meritória justa, valor último que restará frustrado se houver desequilíbrio excessivo para qualquer das partes e custo para aqueles que sequer se encontram num dos polos da demanda.
Para fins de realização da perícia, ônus que recai sobre a parte ré, que pediu especificamente a prova técnica, nomeio a perita atuária Natália Moreira de Paula, já conhecida desta serventia, determinando sua intimação para, no prazo de 05 (cinco) dias, propor os honorários devidos – art. 465, §2º, I, do CPC.
Apresentada aquela proposta, intimem-se as partes para se manifestarem no prazo de 05 (cinco) dias.
Outrossim, de ofício, e com base no art. 6º, CPC, determino que se oficie à SUSEP para que envie a este Juízo, no prazo de 30 (trinta) dias, a Nota Técnica atuária e ali arquivada, conforme dito pela ré, referente ao produto 301 por ela comercializado e objeto do presente litígio, assim como as tabelas de preços de comercialização ali existentes, também conforme afirmado pela ré.
Apresentados os documentos antes requisitados, intimem-se os litigantes para sobre eles se manifestarem, em cumprimento ao disposto no art. 10, CPC, no prazo comum de 10 (dez) dias.
A prova pericial só terá início após a juntada dos documentos arquivados na SUSEP e a decisão sobre eventuais impugnações sobre eles interpostas.
Cumpra-se.