Uma alternativa jurídica

16/04/2019

Plano de Saúde: Medicamento Domiciliar

A sala de aula é, de fato, o lugar mais rico para o desenvolvimento de uma pessoa, aluno e professor, por vezes muito mais proveitoso para aquele que se propõe a compartilhar o seu conhecimento com as pessoas.

Tenho dito em minhas aulas sobre plano de saúde que o escopo deste tipo de contrato não abrange o fornecimento de medicamentos ministrados em ambiente domiciliar, porque o legislador expressamente os excluiu da cobertura e, por lei, estabeleceu as exceções, logo, não poderia o Estado-juiz mandar cobrir os custos com tais despesas, salvo situações excepcionalíssimas.

Esta minha interpretação não tem sido muito bem compreendida, deixando a impressão de que não existe a possibilidade de a operadora ser obrigada a cobrir os custos com medicamentos de natureza domiciliar, o que, de certo, não é verdade.

A Constituição Federal diz que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer algo, senão em virtude de lei e, nesta esteira, é preciso identificar a fonte jurídica da obrigação do prestador do serviço, que pode ser a lei ou o contrato e, ainda, os regulamentos expedidos pelas autoridades competentes, desde que observados os parâmetros legais para o exercício do poder regulamentar.

No ambiente judicial, o que tem se observado é que a jurisprudência tem desprezado a regra de exclusão de tal cobertura e as regras que estabelecem tais exceções, a exemplo dos quimioterápicos por via geral, e os juízes, de um modo geral, têm criado obrigações a partir de princípios, sem dedicar uma linha sequer ao que dispõe o art. 10, VI, Lei 9.656/98.

Estes argumentos colocados nas minhas aulas inquietaram alunos e um deles me fez o seguinte questionamento: poderia o agente regulador incluir no rol o fornecimento de um medicamento de uso domiciliar? Em caso afirmativo, qual seria a sustentação legal?

A questão me surpreendeu, e as minhas limitações exigiram uma reflexão mais alongada para a construção do raciocínio que segue.

A resposta é afirmativa, ou seja, não obstante a regra do art. 10, VI, o agente regulador pode incluir no rol de procedimentos o fornecimento de medicamento de uso domiciliar, e a sua ação regulamentar não importa em violação da lei, apesar da exclusão de tal cobertura por texto legal.

A fundamentação jurídico-legislativa para tanto é a seguinte: a exclusão de cobertura de medicamento de uso domiciliar, estabelecida na Lei 9.656/98, mais precisamente no art. 10, inciso VI, não é direcionada ao agente regulador e, sim, à operadora, ou seja, o legislador autorizou que o prestador de serviço contratualmente fizesse tal limitação, eis o dispositivo:

Art. 10. É instituído o plano-referência de assistência à saúde, com cobertura assistencial médico-ambulatorial e hospitalar, compreendendo partos e tratamentos, realizados exclusivamente no Brasil, com padrão de enfermaria, centro de terapia intensiva, ou similar, quando necessária a internação hospitalar, das doenças listadas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, da Organização Mundial de Saúde, respeitadas as exigências mínimas estabelecidas no art. 12 desta Lei, exceto:

VI - fornecimento de medicamentos para tratamento domiciliar, ressalvado o disposto nas alíneas ‘c’ do inciso I e ‘g’ do inciso II do art. 12;

Partindo-se de tal premissa, a eventual inclusão pelo agente regulador de um medicamento de uso domiciliar atribui direitos e obrigações para operadora e beneficiário com lastro legislativo no art. 7º do CDC[1], aqui aplicado subsidiariamente, porque ali está dito que os direitos e obrigações previstos no aludido diploma protecionista não exclui outros decorrentes dos regulamentos expedidos pelas autoridades administrativas competentes.

A cobertura regulamentar dada, portanto, ingressa no ambiente legislativo pela “porta” do art. 7º, CDC, que o conduz até a Lei de Plano de Saúde, ingressando nesta através da “porta” do art. 35-G[2], sendo certo que a operação de interpretação aqui empresta para os artigos mencionados têm fulcro naquilo que se denominou “diálogo de fontes” ou, para os que assim não veem o sistema, interpretação sistêmica do ordenamento jurídico.

Convém anotar que a incorporação feita pelo agente regulador neste cenário pressupõe uma análise científica que afere a eficiência do medicamento, o impacto econômico e financeiro da incorporação e a preservação dos interesses de operadoras e beneficiários, culminando pelo respeito às legítimas expectativas dos sujeitos de direito e o equilíbrio negocial, sem impedir o desenvolvimento econômico e tecnológico, nos termos do art. 4º, III, CDC[3].

Em assim sendo, não existe razão de natureza fática ou legislativa para não admitir a cobertura de um medicamento de uso domiciliar quando incorporado através de uma norma regulamentar, o que se impõe é uma visão adequada do sistema jurídico-normativo do serviço de assistência suplementar à saúde.

 

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[1] Art. 7° Os direitos previstos neste código não excluem outros decorrentes de tratados ou convenções internacionais de que o Brasil seja signatário, da legislação interna ordinária, de regulamentos expedidos pelas autoridades administrativas competentes, bem como dos que derivem dos princípios gerais do direito, analogia, costumes e eqüidade.

[2] Art. 35-G. Aplicam-se subsidiariamente aos contratos entre usuários e operadoras de produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei as disposições da Lei no 8.078, de 1990.

[3] Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: [...] III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores;

Luiz Mário Moutinho

Graduado em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco (1990). Atualmente é Juiz de Direito da 1ª Vara Cível da Capital - Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco. Coordenador científico do Instituto Luiz Mário Moutinho. Professor de Direito de Consumidor da Escola Judicial do Estado de Pernambuco. Foi membro do Comitê Executivo do Fórum Nacional de Saúde do CNJ. Foi Diretor da Caixa de Assistência dos Magistrados de Pernambuco. Foi Vice-Presidente da Associação dos Magistrados de Pernambuco. Foi Coordenador Acadêmico da Escola Judicial de Pernambuco – ESMAPE. Foi membro do conselho editoral da Revista Jurídica da ESMAPE. Foi Diretor Regional da Brasilcon. Foi Coordenador dos Juizados Especiais do Juizado de Pernambuco. Foi membro do I Colégio Recursal do Recife. Foi Membro da Comissão do TJPE para a Elaboração de Proposta de Anteprojeto do Código de Organização Judiciária do Estado de Pernambuco. Foi membro da Comissão da Associação dos Magistrados do Brasil – AMB para Elaboração de Proposta de Anteprojeto do Estatuto da Magistratura.

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