Uma verdade dita mil vezes pode virar mentira

02/04/2019

Plano de Saúde, Joseph Goebbels e o CTRL C + CTRL V

Joseph Goebbels foi o Ministro da Propaganda na Alemanha Nazista entre 1933 e 1945 e é a quem se atribui a frase “uma mentira contada mil vezes, torna-se uma verdade”.

O político nazista iria à loucura se dispusesse, à época, do arsenal tecnológico de comunicação do qual dispomos hoje; imagine quão maravilhoso seria para a fábrica de mentiras se o marketeiro nazista dispusesse dos comandos CTRL C + CTRL V? Quão veloz não seria a transformação de mentiras em verdade?

No ambiente forense, o corrente hábito de “copiar/colar”, cultura que está na base da substituição do homem (advogado) pela máquina, tem criado ambiente propício para uma atrofia intelectual generalizada.

Sem embrenhar pelas veredas da filosofia à busca da verdade sobre a verdade, o fato é que a repetição de toda e qualquer ideia anula ou mitiga a capacidade crítica das pessoas em relação  determinado assunto: um ambiente perfeito para a criação de “verdades mentirosas”.

O direito se refere à sociedade e a sociedade é dinâmica, logo, o direito também é dinâmico. Com a cultura do “copiar/colar” e a inevitável atrofia intelectual dela decorrente, os operadores terminam por congelar no tempo a interpretação da ordem jurídica e, por vezes, até desprezar as modificações legislativas havidas.

A título de exemplo, não é raro nas decisões de recusa de cobertura por parte de operadoras de plano de saúde, o magistrado lançar mão da seguinte premissa ou razão de decidir: a operadora pode restringir contratualmente as doenças cobertas, porém não pode restringir os procedimentos e meios de tratamento delas.

O argumento tem por objetivo encontrar, racionalmente, o fundamento que dá suporte jurídico à viabilidade da manutenção do equilíbrio econômico das operadoras e a sustentabilidade do sistema de saúde suplementar.

Ocorre que a razão de decidir mencionada (equilíbrio econômico a partir da possibilidade de restrição contratual das doenças cobertas) só encontra lastro legislativo até a entrada da Lei de Plano de Saúde - LPS, quando não existia nenhum tratamento legislativo específico sobre o tema.

Atualmente, a Lei 9.656/98 (LPS) estabelece que todas as doenças listadas pela Organização Mundial de Saúde estão cobertas pelo Plano de Saúde, não podendo haver exclusão qualquer delas; por seu turno, é possível que haja restrição dos procedimentos para assistência.

Assim, fica claro que o legislador optou por estabelecer a restrição de cobertura de procedimentos como sendo o caminho para manutenção da sustentabilidade econômica e financeira das operadoras.

Não obstante, a cultura do “copiar/colar”, o CTRL C + CTRL V, continua repetindo muito mais de mil vezes uma verdade não mais existente: uma mentira judicial que vigora com aparência de verdade.

Quando perdemos a capacidade de pensar e criticar, a tese de Joseph Goebbels é validada e, tal como na Alemanha nazista, pode ter efeitos perniciosos.

 

 

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Luiz Mário Moutinho

Graduado em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco (1990). Atualmente é Juiz de Direito da 1ª Vara Cível da Capital - Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco. Coordenador científico do Instituto Luiz Mário Moutinho. Professor de Direito de Consumidor da Escola Judicial do Estado de Pernambuco. Foi membro do Comitê Executivo do Fórum Nacional de Saúde do CNJ. Foi Diretor da Caixa de Assistência dos Magistrados de Pernambuco. Foi Vice-Presidente da Associação dos Magistrados de Pernambuco. Foi Coordenador Acadêmico da Escola Judicial de Pernambuco – ESMAPE. Foi membro do conselho editoral da Revista Jurídica da ESMAPE. Foi Diretor Regional da Brasilcon. Foi Coordenador dos Juizados Especiais do Juizado de Pernambuco. Foi membro do I Colégio Recursal do Recife. Foi Membro da Comissão do TJPE para a Elaboração de Proposta de Anteprojeto do Código de Organização Judiciária do Estado de Pernambuco. Foi membro da Comissão da Associação dos Magistrados do Brasil – AMB para Elaboração de Proposta de Anteprojeto do Estatuto da Magistratura.

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