A função social da atividade econômica e o papel do Poder Público
O desenvolvimento das empresas importa em aumento de arrecadação de tributos, abertura de vagas de emprego, desenvolvimento tecnológico; em suma, o país cresce.
Neste sentido, o art. 4º, inc. III, do Código de Defesa do Consumidor, inserto no capítulo da Política Nacional das Relações de Consumo, prega a harmonização dos interesses individuais e coletivos.
Ali está posto que é preciso harmonizar os interesses de consumidores e fornecedores, compatibilizando a proteção do vulnerável com o desenvolvimento.
O texto programático do CDC indica ainda que essa harmonização é meio para viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica, art. 170 da CF/88.
É fundado nesses princípios que a Lei de Planos de Saúde apenas permite o funcionamento de operadora que demonstre sua capacidade de atendimento e seu equilíbrio econômico e financeiro.
Em regra, as contraprestações pagas pelo fornecimento de bens de consumo são livremente fixadas e majoradas. São as regras naturais do mercado que determinam.
Porém, em certas e determinadas situações, o Estado intervém e fixa ou controla os valores cobrados pelos fornecedores privados.
É o maior ou menor grau de interesse público envolvido no fornecimento do bem de consumo que vai determinar o nível de intervenção pública na atividade privada.
A saúde, assim como a educação, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte e a segurança, dentre outros, são direitos sociais fundamentais, CF, art. 6º.
A assistência à saúde é um dever do Estado, porém a própria sociedade constitucionalmente autorizou a iniciativa privada a assisti-la de maneira suplementar.
Essa assistência privada da saúde é de relevância pública e por isto o Poder Público tem o dever de regular, fiscalizar e de controlar, inclusive as contraprestações.
Equilíbrio econômico-financeiro das operadoras de planos de saúde
A revisão das contraprestações pagas por qualquer serviço é um imperativo de mercado e meio para preservar e desenvolver qualquer atividade, pública ou privada.
Neste viés, de um modo geral, a revisão das contraprestações cobradas por todo e qualquer fornecedor de bem de consumo carrega em si uma preocupação social.
No que se refere à atividade desenvolvida pelas operadoras, a relevância social do bem jurídico saúde inspirou o Constituinte a estabelecer um controle a ser exercido pelo Poder Público.
Assim, uma operadora só está autorizada a funcionar se ficar demonstrada a sua capacidade econômico-financeira, dentre outras exigências.
O superveniente desequilíbrio econômico-financeiro inclusive autoriza medidas intervencionistas pelo agente regulador na operadora do plano de saúde.
Assim, fica evidente a relevância social da preservação do equilíbrio econômico-financeiro das operadoras e o cuidado que se deve ter no momento de intervir judicialmente.
Critérios de revisão e reajuste das contraprestações
A relevância social da saúde, o dever estatal de proteger consumidores, crianças, adolescentes, jovens e idosos inspiraram o legislador na edição da LPS.
Os objetivos e princípios nos quais se funda a ordem econômica também embasaram o Parlamento pátrio na edição das leis regulamentadoras do setor.
Esse balanceamento dos valores, princípios e objetivos se expressam na Lei 9.656/98 e na Lei 9.661/02, sendo esta última a instituidora da ANS.
Os incisos XVII e XVIII, do art. 4º da Lei 9.961/02, por exemplo, atribuem à agência o poder para autorizar e monitorar os reajustes anuais por variação de custo dos planos.
Já a LPS prevê os critérios utilizados para estabelecer a variação do valor da contraprestação cobrada pelas operadoras dos planos de saúde.
A elevação do risco decorrente do envelhecimento do usuário e a elevação dos custos dos insumos e da utilização dos serviços são os principais motivos de reajuste.
O recrudescimento da utilização dos serviços também é outro fator de elevação dos gastos com a assistência à saúde dos usuários de uma operadora de plano de saúde.
A experiência ordinária mostra e autoriza afirmar que o risco à saúde de uma pessoa se eleva com o passar dos anos e, por consequência, elevam-se os gastos com a assistência.
Os custos dos insumos utilizados pelas operadoras de planos de saúde para o desenvolvimento de sua atividade fim também sofrem variação ao longo do tempo.
A incorporação de uma nova tecnologia, a ser utilizada em um procedimento ou tratamento de determinada enfermidade, por exemplo, é causa de aumento dos custos.
Foi para atender a essas demandas que a LPS previu a possibilidade de a contraprestação ser reajustada anualmente.
Percebe-se, a seu turno, que os reajustes anuais dos planos de saúde não constituem um índice setorial, como acontece, por exemplo, com a construção civil, que utiliza o INCC.
É inadequado utilizar os “índices de inflação” como paradigma de aferição de eventual abuso praticado pela operadora.
Também não se pode lançar mão dos índices que medem a variação de preços em geral para arbitrar o percentual de reajuste anual cobrado por uma operadora.
Os critérios legais não coincidem com esses parâmetros: a lei prevê a idade e os custos dos insumos do setor como parâmetros para estabelecer o reajuste anual.
O setor é privado, o direito que o regula é privado, porém existe uma publicização da relação entre usuário e operadora, impondo-se restrita observância da legalidade.
Assim, sem lei, não é dado estabelecerem-se critérios outros de reajustes das contraprestações, inclusive a adoção dos índices inflacionários.
Regime jurídico de reajustes das contraprestações segundo a contratação
A LPS classifica no art. 16, VII, a, b e c, os contratos de plano de saúde pelo regime de contratação em individual, familiar e coletivo, este último empresarial ou por adesão.
Assim, tem-se por individual ou familiar o contrato firmado entre operadora e pessoa natural, e por coletivo o negócio firmado por pessoa jurídica.
O regime jurídico dos reajustes anuais das contraprestações do serviço varia de acordo com a espécie dessa classificação legal e regulamentar.
O reajuste anual dos planos individuais ou familiares é autorizado pela ANS e o reajuste nos planos coletivos é negociado pelos contratantes e monitorado pela agência.
Evidencia-se, portanto, que o grau de vulnerabilidade do contratante é o critério utilizado para justificar o tratamento diferenciado dispensado pela ANS na questão do reajuste anual.
O nível de intervenção estatal regulatória, no que tange ao reajuste da contraprestação, é maior no plano individual ou familiar do que nas espécies coletivas de contratos.
A interpretação sistemática da LPS e da Lei 9.661/02, art. 35-E, § 2º daquela lei e art. 4º, XVII e XXI desta última explica a base legal do tratamento diferenciado.
O parágrafo 2º estabelece que o reajuste anual dos contratos de planos individuais depende de autorização da ANS, sem alusão aos contratos coletivos.
A omissão legislativa referenciada conduz à conclusão de que o reajuste anual da contraprestação dos planos coletivos prescinde de autorização da ANS.
A competência regulamentar da ANS para autorizar o reajuste dos planos individuais está no inciso XVII, do art. 4º, da Lei 9.661/02.
Ali está dito: compete à ANS, autorizar reajustes e revisões das contraprestações pecuniárias dos planos privados de assistência à saúde, ouvido o Ministério da Fazenda.
Já a competência para monitorar a evolução dos preços de planos coletivos está na Lei 9.961/02, art. 4ª, XXI, cujo texto segue.
Compete à ANS, monitorar a evolução dos preços de planos de assistência à saúde, seus prestadores de serviços, e respectivos componentes e insumos.
Luiz Mário Moutinho
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