Considerações acerca do Regime Jurídico e do Imperativo da Harmonização dos Interesses dos Contratantes

05/01/2018

A função social da atividade econômica e o papel do Poder Público

O desenvolvimento das empresas importa em aumento de arrecadação de tributos, abertura de vagas de emprego, desenvolvimento tecnológico; em suma, o país cresce.

Neste sentido, o art. 4º, inc. III, do Código de Defesa do Consumidor, inserto no capítulo da Política Nacional das Relações de Consumo, prega a harmonização dos interesses individuais e coletivos.

Ali está posto que é preciso harmonizar os interesses de consumidores e fornecedores, compatibilizando a proteção do vulnerável com o desenvolvimento.

O texto programático do CDC indica ainda que essa harmonização é meio para viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica, art. 170 da CF/88.

É fundado nesses princípios que a Lei de Planos de Saúde apenas permite o funcionamento de operadora que demonstre sua capacidade de atendimento e seu equilíbrio econômico e financeiro.

Em regra, as contraprestações pagas pelo fornecimento de bens de consumo são livremente fixadas e majoradas. São as regras naturais do mercado que determinam.

Porém, em certas e determinadas situações, o Estado intervém e fixa ou controla os valores cobrados pelos fornecedores privados.

É o maior ou menor grau de interesse público envolvido no fornecimento do bem de consumo que vai determinar o nível de intervenção pública na atividade privada.

A saúde, assim como a educação, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte e a segurança, dentre outros, são direitos sociais fundamentais, CF, art. 6º.

A assistência à saúde é um dever do Estado, porém a própria sociedade constitucionalmente autorizou a iniciativa privada a assisti-la de maneira suplementar.

Essa assistência privada da saúde é de relevância pública e por isto o Poder Público tem o dever de regular, fiscalizar e de controlar, inclusive as contraprestações.

Equilíbrio econômico-financeiro das operadoras de planos de saúde

A revisão das contraprestações pagas por qualquer serviço é um imperativo de mercado e meio para preservar e desenvolver qualquer atividade, pública ou privada.

Neste viés, de um modo geral, a revisão das contraprestações cobradas por todo e qualquer fornecedor de bem de consumo carrega em si uma preocupação social.

No que se refere à atividade desenvolvida pelas operadoras, a relevância social do bem jurídico saúde inspirou o Constituinte a estabelecer um controle a ser exercido pelo Poder Público.

Assim, uma operadora só está autorizada a funcionar se ficar demonstrada a sua capacidade econômico-financeira, dentre outras exigências.

O superveniente desequilíbrio econômico-financeiro inclusive autoriza medidas intervencionistas pelo agente regulador na operadora do plano de saúde.

Assim, fica evidente a relevância social da preservação do equilíbrio econômico-financeiro das operadoras e o cuidado que se deve ter no momento de intervir judicialmente.

Critérios de revisão e reajuste das contraprestações

A relevância social da saúde, o dever estatal de proteger consumidores, crianças, adolescentes, jovens e idosos inspiraram o legislador na edição da LPS.

Os objetivos e princípios nos quais se funda a ordem econômica também embasaram o Parlamento pátrio na edição das leis regulamentadoras do setor.

Esse balanceamento dos valores, princípios e objetivos se expressam na Lei 9.656/98 e na Lei 9.661/02, sendo esta última a instituidora da ANS.

Os incisos XVII e XVIII, do art. 4º da Lei 9.961/02, por exemplo, atribuem à agência o poder para autorizar e monitorar os reajustes anuais por variação de custo dos planos.

Já a LPS prevê os critérios utilizados para estabelecer a variação do valor da contraprestação cobrada pelas operadoras dos planos de saúde.

A elevação do risco decorrente do envelhecimento do usuário e a elevação dos custos dos insumos e da utilização dos serviços são os principais motivos de reajuste.

O recrudescimento da utilização dos serviços também é outro fator de elevação dos gastos com a assistência à saúde dos usuários de uma operadora de plano de saúde.

A experiência ordinária mostra e autoriza afirmar que o risco à saúde de uma pessoa se eleva com o passar dos anos e, por consequência, elevam-se os gastos com a assistência.

Os custos dos insumos utilizados pelas operadoras de planos de saúde para o desenvolvimento de sua atividade fim também sofrem variação ao longo do tempo.

A incorporação de uma nova tecnologia, a ser utilizada em um procedimento ou tratamento de determinada enfermidade, por exemplo, é causa de aumento dos custos.

Foi para atender a essas demandas que a LPS previu a possibilidade de a contraprestação ser reajustada anualmente.

Percebe-se, a seu turno, que os reajustes anuais dos planos de saúde não constituem um índice setorial, como acontece, por exemplo, com a construção civil, que utiliza o INCC.

É inadequado utilizar os “índices de inflação” como paradigma de aferição de eventual abuso praticado pela operadora.

Também não se pode lançar mão dos índices que medem a variação de preços em geral para arbitrar o percentual de reajuste anual cobrado por uma operadora.

Os critérios legais não coincidem com esses parâmetros: a lei prevê a idade e os custos dos insumos do setor como parâmetros para estabelecer o reajuste anual.

O setor é privado, o direito que o regula é privado, porém existe uma publicização da relação entre usuário e operadora, impondo-se restrita observância da legalidade.

Assim, sem lei, não é dado estabelecerem-se critérios outros de reajustes das contraprestações, inclusive a adoção dos índices inflacionários.

Regime jurídico de reajustes das contraprestações segundo a contratação

A LPS classifica no art. 16, VII, a, b e c, os contratos de plano de saúde pelo regime de contratação em individual, familiar e coletivo, este último empresarial ou por adesão.

Assim, tem-se por individual ou familiar o contrato firmado entre operadora e pessoa natural, e por coletivo o negócio firmado por pessoa jurídica.

O regime jurídico dos reajustes anuais das contraprestações do serviço varia de acordo com a espécie dessa classificação legal e regulamentar.

O reajuste anual dos planos individuais ou familiares é autorizado pela ANS e o reajuste nos planos coletivos é negociado pelos contratantes e monitorado pela agência.

Evidencia-se, portanto, que o grau de vulnerabilidade do contratante é o critério utilizado para justificar o tratamento diferenciado dispensado pela ANS na questão do reajuste anual.

O nível de intervenção estatal regulatória, no que tange ao reajuste da contraprestação, é maior no plano individual ou familiar do que nas espécies coletivas de contratos.

A interpretação sistemática da LPS e da Lei 9.661/02, art. 35-E, § 2º daquela lei e art. 4º, XVII e XXI desta última explica a base legal do tratamento diferenciado.

O parágrafo 2º estabelece que o reajuste anual dos contratos de planos individuais depende de autorização da ANS, sem alusão aos contratos coletivos.

A omissão legislativa referenciada conduz à conclusão de que o reajuste anual da contraprestação dos planos coletivos prescinde de autorização da ANS.

A competência regulamentar da ANS para autorizar o reajuste dos planos individuais está no inciso XVII, do art. 4º, da Lei 9.661/02.

Ali está dito: compete à ANS, autorizar reajustes e revisões das contraprestações pecuniárias dos planos privados de assistência à saúde, ouvido o Ministério da Fazenda.

Já a competência para monitorar a evolução dos preços de planos coletivos está na Lei 9.961/02, art. 4ª, XXI, cujo texto segue.

Compete à ANS, monitorar a evolução dos preços de planos de assistência à saúde, seus prestadores de serviços, e respectivos componentes e insumos.

 

Luiz Mário Moutinho

 

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Luiz Mário Moutinho

Graduado em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco (1990). Atualmente é Juiz de Direito da 1ª Vara Cível da Capital - Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco. Coordenador científico do Instituto Luiz Mário Moutinho. Professor de Direito de Consumidor da Escola Judicial do Estado de Pernambuco. Foi membro do Comitê Executivo do Fórum Nacional de Saúde do CNJ. Foi Diretor da Caixa de Assistência dos Magistrados de Pernambuco. Foi Vice-Presidente da Associação dos Magistrados de Pernambuco. Foi Coordenador Acadêmico da Escola Judicial de Pernambuco – ESMAPE. Foi membro do conselho editoral da Revista Jurídica da ESMAPE. Foi Diretor Regional da Brasilcon. Foi Coordenador dos Juizados Especiais do Juizado de Pernambuco. Foi membro do I Colégio Recursal do Recife. Foi Membro da Comissão do TJPE para a Elaboração de Proposta de Anteprojeto do Código de Organização Judiciária do Estado de Pernambuco. Foi membro da Comissão da Associação dos Magistrados do Brasil – AMB para Elaboração de Proposta de Anteprojeto do Estatuto da Magistratura.

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