A imprensa tem o relevante papel de informar a população sobre diversos aspectos da vida, contudo certas e determinadas matérias, especialmente aquelas relacionadas a temas complexos, precisam ser traduzidas para uma linguagem mais próxima da compreensão do leigo e, nesse traduzir, por vezes a matéria jornalística perigosamente cria um senso coletivo que não condiz com a verdade plena.
Direito e saúde são temas bastantes interessantes na perspectiva jornalística e também muito complexos, ampliando os riscos de uma informação inadequada da população, especialmente quando estão juntos, como é o caso das matérias sobre planos de saúde e, mais especificamente, sobre a cobertura de home care.
Vejamos alguns exemplos de manchetes: STJ determina que plano de saúde garanta ‘home care’ a idosa com Parkinson, saiu no O Globo, on line, no dia 05/12/2018 [1]; Disparam decisões que obrigam planos de saúde a oferecer serviço home care, publicou a Folha de São Paulo, on line, no dia 17/04/2019 [2] e, na revista exame, também on line, de 11/09/2015, saiu: Ações na Justiça forçam planos de saúde a cobrir home care [3].
O conteúdo das matérias citadas pode causar a falsa impressão de que em toda e qualquer situação a operadora está obrigada a cobrir as despesas com a internação domiciliar do beneficiário, bastando, para tanto, que o médico assistente requisite a cobertura mencionada, o que efetivamente não corresponde à realidade jurídica.
O serviço de home care não faz parte da cobertura mínima obrigatória estabelecida pela Agência Nacional de Saúde Suplementar, e tampouco existe vedação regulamentar para tanto, o que importa em dizer que a interpretação judicial emprestada ao Código de Defesa do Consumidor, em conjunto com a Lei de Plano de Saúde, tem sido a fonte criadora para as operadoras naqueles casos nos quais não existe previsão contratual de cobertura.
Algumas matérias jornalísticas pontuam que a justiça estabeleceu através de súmula que é nula a cláusula do contrato de plano de saúde que exclui a cobertura de home care, o que é verdade; a matéria não é complementada, entretanto, no sentido de exemplificar em quais situações a operadora está obrigada a cobrir o serviço, o que constitui uma meia verdade que termina por criar a ideia coletiva falsa de que a nulidade da exclusão contratual impõe obrigação irrestrita de cobertura do home care.
De fato, o contrato de plano de saúde não pode excluir a cobertura de home care, porém ele tem por escopo, em regra, a cobertura de despesas hospitalares, médicas e laboratoriais. Fora desse quadrante, não há obrigação de cobertura, exceto se houver expressa imposição legal, como no caso do tratamento quimioterápico oral, ministrado, portanto, em domicílio.
Assim, o primeiro dado objetivo geral a ser observado é se a cobertura do home care que se está pedindo é em substituição a uma internação hospitalar, ou seja, se existe uma equiparação, uma equivalência, entre a internação no nosocômio e a internação em casa.
A equivalência ou equiparação das internações hospitalar convencional e hospitalar residencial é estabelecida caso a caso, a partir da quantidade e qualidade dos itens necessários à efetiva e adequada atenção à saúde do paciente beneficiário do plano. Se a hipótese não é de internação hospitalar, não pode ser de internação domiciliar.
Esta conclusão pode ser retirada de alguns julgados do STJ. No Recurso Especial 1.378.707 - RJ, de relatoria do Min. Paulo de Tarso Sanseverino, por exemplo, onde se reconheceu a obrigação de a operadora cobrir a despesas com o home care, o Min. Villas Boas, após pedir vista, para acompanhar a relatoria fez a ressalva de que, nos contratos de plano de saúde sem contratação específica, o serviço de internação domiciliar (home care) pode ser utilizado em substituição à internação hospitalar, (destaquei) desde que observados certos requisitos, como a indicação do médico assistente, a concordância do paciente e a não afetação do equilíbrio contratual.
É bem verdade que o relator acolheu as ponderações do voto vista para incluir no julgado e estabelecer o voto médio, apenas os seguintes aspectos da ressalva: a indicação de médico-assistente, concordância dos pacientes e não afetação do equilíbrio contratual, nada explicitando sobre sobre a substituição à internação hospitalar, contudo este citado aspecto é inerente ao próprio objeto do contrato de plano de saúde, que não cobre despesas com enfermagem e cuidador, exceto quando da internação em nosocômio.
Numa ocasião pretérita, o Min. Villas Boas explicita a necessidade da correlação entre a internação convencional e a internação domiciliar e acrescenta alguns aspectos objetivos balizadores para a cobertura de home care sem previsão contratual expressa.
No Recurso Especial nº 1.537.301-RJ disse S. Excelência: cumpre ressaltar, entretanto, que o home care não pode ser concedido de forma automática, tampouco por livre disposição ou comodidade do paciente e de seus familiares. Nessa conjuntura, diante da ausência de regras contratuais que disciplinem a utilização do serviço, a internação domiciliar pode ser obtida, não como extensão da internação hospitalar, mas como conversão desta. E continuou o magistrado, para tanto, há a necessidade de haver (i) condições estruturais da residência; (ii) real necessidade do atendimento domiciliar, com verificação do quadro clínico do paciente; (iii) indicação do médico assistente; (iv) solicitação da família; (v) concordância do paciente; e (vi) não afetação do equilíbrio contratual, como nas hipóteses em que o custo do atendimento domiciliar por dia não supera o custo diário em hospital. Isso porque, nesses casos, como os serviços de atenção domiciliar não foram considerados no cálculo atuarial do fundo mútuo, a concessão indiscriminada deles, quando mais onerosos que os procedimentos convencionais já cobertos e previstos, poderá causar, a longo prazo, desequilíbrio econômico-financeiro do plano de saúde, comprometendo a sustentabilidade das carteiras (destaquei) [4].
Portanto, sem o delineamento desses dados objetivos, não há que se falar em obrigação da operadora em cobrir a despesa com a internação hospitalar em casa, e o advogado deve ficar atento e tomar muita cautela para não gerar um enorme passivo para o seu cliente, na hipótese de a antecipação de tutela concessiva da cobertura não se confirmar ao final, quando do julgamento definitivo do mérito.
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[3] https://exame.abril.com.br/seu-dinheiro/acoes-na-justica-forcam-planos-de-saude-a-cobrir-home-care/
[4] REsp 1.537.301-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 18/8/2015, DJe 23/10/2015.