Uma análise sob a perspectiva normativo-jurídica e jurisprudencial em oposição ao tratamento midiático da matéria

19/03/2019

Home Care: quando é que o plano de saúde é obrigado a cobrir?

A imprensa tem o relevante papel de informar a população sobre diversos aspectos da vida, contudo certas e determinadas matérias, especialmente aquelas relacionadas a temas complexos, precisam ser traduzidas para uma linguagem mais próxima da compreensão do leigo e, nesse traduzir, por vezes a matéria jornalística perigosamente cria um senso coletivo que não condiz com a verdade plena.

Direito e saúde são temas bastantes interessantes na perspectiva jornalística e também muito complexos, ampliando os riscos de uma informação inadequada da população, especialmente quando estão juntos, como é o caso das matérias sobre planos de saúde e, mais especificamente, sobre a cobertura de home care.

Vejamos alguns exemplos de manchetes: STJ determina que plano de saúde garanta ‘home care’ a idosa com Parkinson, saiu no O Globo, on line, no dia 05/12/2018 [1]; Disparam decisões que obrigam planos de saúde a oferecer serviço home care, publicou a Folha de São Paulo, on line, no dia 17/04/2019 [2] e, na revista exame, também on line, de 11/09/2015, saiu: Ações na Justiça forçam planos de saúde a cobrir home care [3].

O conteúdo das matérias citadas pode causar a falsa impressão de que em toda e qualquer situação a operadora está obrigada a cobrir as despesas com a internação domiciliar do beneficiário, bastando, para tanto, que o médico assistente requisite a cobertura mencionada, o que efetivamente não corresponde à realidade jurídica.

O serviço de home care não faz parte da cobertura mínima obrigatória estabelecida pela Agência Nacional de Saúde Suplementar, e tampouco existe vedação regulamentar para tanto, o que importa em dizer que a interpretação judicial emprestada ao Código de Defesa do Consumidor, em conjunto com a Lei de Plano de Saúde, tem sido a fonte criadora para as operadoras naqueles casos nos quais não existe previsão contratual de cobertura.

Algumas matérias jornalísticas pontuam que a justiça estabeleceu através de súmula que é nula a cláusula do contrato de plano de saúde que exclui a cobertura de home care, o que é verdade; a matéria não é complementada, entretanto, no sentido de exemplificar em quais situações a operadora está obrigada a cobrir o serviço, o que constitui uma meia verdade que termina por criar a ideia coletiva falsa de que a nulidade da exclusão contratual impõe obrigação irrestrita de cobertura do home care.

De fato, o contrato de plano de saúde não pode excluir a cobertura de home care, porém ele tem por escopo, em regra, a cobertura de despesas hospitalares, médicas e laboratoriais. Fora desse quadrante, não há obrigação de cobertura, exceto se houver expressa imposição legal, como no caso do tratamento quimioterápico oral, ministrado, portanto, em domicílio.

Assim, o primeiro dado objetivo geral a ser observado é se a cobertura do home care que se está pedindo é em substituição a uma internação hospitalar, ou seja, se existe uma equiparação, uma equivalência, entre a internação no nosocômio e a internação em casa.

A equivalência ou equiparação das internações hospitalar convencional e hospitalar residencial é estabelecida caso a caso, a partir da quantidade e qualidade dos itens necessários à efetiva e adequada atenção à saúde do paciente beneficiário do plano. Se a hipótese não é de internação hospitalar, não pode ser de internação domiciliar.

Esta conclusão pode ser retirada de alguns julgados do STJ. No Recurso Especial 1.378.707 - RJ, de relatoria do Min. Paulo de Tarso Sanseverino, por exemplo, onde se reconheceu a obrigação de a operadora cobrir a despesas com o home care, o Min. Villas Boas, após pedir vista, para acompanhar a relatoria fez a ressalva de que, nos contratos de plano de saúde sem contratação específica, o serviço de internação domiciliar (home care) pode ser utilizado em substituição à internação hospitalar(destaquei) desde que observados certos requisitos, como a indicação do médico assistente, a concordância do paciente e a não afetação do equilíbrio contratual.

É bem verdade que o relator acolheu as ponderações do voto vista para incluir no julgado e estabelecer o voto médio, apenas os seguintes aspectos da ressalva: a indicação de médico-assistente, concordância dos pacientes e não afetação do equilíbrio contratual, nada explicitando sobre sobre a substituição à internação hospitalar, contudo este citado aspecto é inerente ao próprio objeto do contrato de plano de saúde, que não cobre despesas com enfermagem e cuidador, exceto quando da internação em nosocômio.

Numa ocasião pretérita, o Min. Villas Boas explicita a necessidade da correlação entre a internação convencional e a internação domiciliar e acrescenta alguns aspectos objetivos balizadores para a cobertura de home care sem previsão contratual expressa.

No Recurso Especial nº 1.537.301-RJ disse S. Excelência: cumpre ressaltar, entretanto, que o home care não pode ser concedido de forma automática, tampouco por livre disposição ou comodidade do paciente e de seus familiares. Nessa conjuntura, diante da ausência de regras contratuais que disciplinem a utilização do serviço, a internação domiciliar pode ser obtida, não como extensão da internação hospitalar, mas como conversão desta. E continuou o magistrado, para tanto, há a necessidade de haver (i) condições estruturais da residência; (ii) real necessidade do atendimento domiciliar, com verificação do quadro clínico do paciente; (iii) indicação do médico assistente; (iv) solicitação da família; (v) concordância do paciente; e (vi) não afetação do equilíbrio contratual, como nas hipóteses em que o custo do atendimento domiciliar por dia não supera o custo diário em hospital. Isso porque, nesses casos, como os serviços de atenção domiciliar não foram considerados no cálculo atuarial do fundo mútuo, a concessão indiscriminada deles, quando mais onerosos que os procedimentos convencionais já cobertos e previstos, poderá causar, a longo prazo, desequilíbrio econômico-financeiro do plano de saúde, comprometendo a sustentabilidade das carteiras (destaquei) [4].

Portanto, sem o delineamento desses dados objetivos, não há que se falar em obrigação da operadora em cobrir a despesa com a internação hospitalar em casa, e o advogado deve ficar atento e tomar muita cautela para não gerar um enorme passivo para o seu cliente, na hipótese de a antecipação de tutela concessiva da cobertura não se confirmar ao final, quando do julgamento definitivo do mérito.

 

 

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[1]  https://oglobo.globo.com/economia/defesa-do-consumidor/stj-determina-que-plano-de-saude-garanta-home...

[2]  https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2017/04/1874421-disparam-decisoes-que-obrigam-planos-de-saud...

[3]  https://exame.abril.com.br/seu-dinheiro/acoes-na-justica-forcam-planos-de-saude-a-cobrir-home-care/

[4]  REsp 1.537.301-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 18/8/2015, DJe 23/10/2015.

Luiz Mário Moutinho

Graduado em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco (1990). Atualmente é Juiz de Direito da 1ª Vara Cível da Capital - Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco. Coordenador científico do Instituto Luiz Mário Moutinho. Professor de Direito de Consumidor da Escola Judicial do Estado de Pernambuco. Foi membro do Comitê Executivo do Fórum Nacional de Saúde do CNJ. Foi Diretor da Caixa de Assistência dos Magistrados de Pernambuco. Foi Vice-Presidente da Associação dos Magistrados de Pernambuco. Foi Coordenador Acadêmico da Escola Judicial de Pernambuco – ESMAPE. Foi membro do conselho editoral da Revista Jurídica da ESMAPE. Foi Diretor Regional da Brasilcon. Foi Coordenador dos Juizados Especiais do Juizado de Pernambuco. Foi membro do I Colégio Recursal do Recife. Foi Membro da Comissão do TJPE para a Elaboração de Proposta de Anteprojeto do Código de Organização Judiciária do Estado de Pernambuco. Foi membro da Comissão da Associação dos Magistrados do Brasil – AMB para Elaboração de Proposta de Anteprojeto do Estatuto da Magistratura.

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