Saúde Suplementar

19/01/2021

A Saúde Suplementar e a

Quase todos os dias recebo na 1ª Vara Cível do Recife processos manejados por beneficiários de planos ou seguro saúde contra os seus respectivos fornecedores, pedindo algum tipo de cobertura que teria sido negada pela operadora sob o fundamento de que o procedimento não consta do rol de Procedimentos e Eventos em Saúde elaborado pela ANS.

Essas ações judiciais, invariavelmente, vêm acompanhadas de pedido de liminar para que se conceda, logo no início da peleja, aquilo que o consumidor só obteria quando do julgamento final do processo, sendo certo que, em quase 90% dos casos, os magistrados concedem a antecipação da tutela, mandando que o plano cubra os custos daquilo que fora negado sob o fundamento de que o procedimento não consta do rol elaborado pela ANS.

As liminares, em regra, são deferidas exclusivamente com base em argumentos abstratos e/ ou puramente jurídicos, como, por exemplo, “a saúde é direito de todos”, "o rol da ANS estabelece uma cobertura mínima e é meramente exemplificativo" ou "o beneficiário do plano tem direito ao melhor tratamento e a operadora pode limitar contratualmente a enfermidade, mas não pode restringir a doença".

A realidade forense mostra que os julgadores, nesses processos, não fazem qualquer análise da evidência médica do evento ou do procedimento solicitado pelo médico assistente (o que se justifica pela falta de conhecimento técnico para tanto); não fazem qualquer análise comparativa de eficácia, acurácia e economicidade em relação a outros procedimentos previstos no rol da ANS; e, muito menos, analisam o impacto econômico da decisão tomada, que será suportado por todos os demais beneficiários do plano de saúde. 

Essa "derrogação judicial" do rol elaborado pelo agente regulador é uma consequência prática da permanente e desregulada intervenção judicial na política pública de assistência suplementar à saúde, pois, como a operadora é obrigada a cobrir tudo o que está no rol da ANS (tecnicamente atualizado a cada dois anos) e também está obrigada a cobrir o "rol judicial" elaborado e atualizado diuturnamente pelos magistrados, chega-se à conclusão de que a operadora é obrigada a cobrir tudo para todos os beneficiários e, assim, não há qualquer utilidade na elaboração e atualização do rol da ANS.

É evidente que essa conta não fecha e, em algum momento, poderemos ter um colapso atuarial, financeiro ou econômico do sistema de saúde suplementar, tendo em vista que todos esses custos judicialmente criados, não previstos e não previsíveis, serão repassados para os consumidores e a elevação dos valores cobrados pode significar - se já não significa - uma barreira de acesso e/ou de permanência dos beneficiários no plano de saúde.

Luiz Mário Moutinho

Graduado em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco (1990). Atualmente é Juiz de Direito da 1ª Vara Cível da Capital - Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco. Coordenador científico do Instituto Luiz Mário Moutinho. Professor de Direito de Consumidor da Escola Judicial do Estado de Pernambuco. Foi membro do Comitê Executivo do Fórum Nacional de Saúde do CNJ. Foi Diretor da Caixa de Assistência dos Magistrados de Pernambuco. Foi Vice-Presidente da Associação dos Magistrados de Pernambuco. Foi Coordenador Acadêmico da Escola Judicial de Pernambuco – ESMAPE. Foi membro do conselho editoral da Revista Jurídica da ESMAPE. Foi Diretor Regional da Brasilcon. Foi Coordenador dos Juizados Especiais do Juizado de Pernambuco. Foi membro do I Colégio Recursal do Recife. Foi Membro da Comissão do TJPE para a Elaboração de Proposta de Anteprojeto do Código de Organização Judiciária do Estado de Pernambuco. Foi membro da Comissão da Associação dos Magistrados do Brasil – AMB para Elaboração de Proposta de Anteprojeto do Estatuto da Magistratura.

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